Jairo Trench Gonçalves, conhecido no meio evangélico como
Jairinho - para diferenciar do
Dr. Jairo Gonçalves, seu pai - foi um jovem talento musical das décadas de 70 e 80. Quando nos conhecemos ele já tinha composto várias músicas inspiradoras de louvor a Deus. Sua amizade e seu exemplo de fé e seriedade para com as coisas de Deus são tesouros preciosos que guardo com carinho. No entanto, não creio ser a pessoa mais indicada para dizer em profundidade sobre ele. Talvez o
Paulo César da Silva, o
Paulão, do grupo
Logos, e antigo companheiro de jornada no
ELO seja quem possa traçar um perfil mais substancial da vida e da carreira desse nosso irmão querido. Assim mesmo, como uma homenagem póstuma, passo a narrar um pouco da história do
Jairo, com uma visão muito particular, muito embora alguns dados biográficos sejam de conhecimento geral.
Jairo Trench Gonçalves era o único filho homem em meio a quatro meninas. Morou num bairro nobre da cidade de São Paulo, capital. Seu pai,
Dr. Jairo Gonçalves, filho de portugueses, era nas décadas de 70/80 (provavelmente ainda é), um próspero empresário. Homem inteligente e muito crente,
Dr. Jairo desde cedo, ele e sua esposa davam testemunho aos filhos de uma fé firme e inabalável.
Pelos idos de 1970,
Jairinho conheceu a
Cristo, entregando sua vida a Ele e tomando a decisão de servir a Deus de forma exclusiva. Partiu então para o
Instituto Bíblico Palavra da Vida para preparar-se nos estudos teológicos. Completou os estudos em 1974. Ali, conheceu
Hélia, com quem iria casar-se no início de 1975, em São Paulo. Foi no início deste ano que o conheci, pois estava chegando para os meus estudos naquele Instituto Bíblico.
Quando cheguei ao então
Instituto Bíblico Palavra da Vida, em Atibaia, São Paulo, em 1975 para iniciar meus estudos teológicos, minhas expectativas para com a
Organização Palavra da Vida eram as melhores. Através dos acampamentos por ela promovidos, e dos empreendimentos evangelísticos, notava a consistência entre a fé e a prática dos seus missionários. Eram pessoas alegres, convictas de sua fé cristã, e dispostas a proclamar o Reino de Deus pelo Brasil, não importava a ocasião e o local. Parte desta imagem deve-se muito à musicalidade dos missionários e de outras pessoas que os ajudaram a formar grupos vocais de boa qualidade que, com simplicidade, proclamam até hoje a mensagem do evangelho.
Pelos idos de 1970, enquanto o mundo jovem não cristão era sacudido constantemente pôr grupos musicais revolucionários, conquanto sua mensagem fosse a imoralidade sexual e a experiência com drogas, como
The Beatles, ainda gravando,
Led Zeppelin, iniciando a carreira,
Yes e
Emerson,
Lake and Palmer, e tantos outros, a Igreja evangélica no Brasil dava ainda passos modestos na criação de melodias próprias e elaboração de arranjos musicais de qualidade. Poucos eram os discos gravados por evangélicos. As igrejas dispunham ainda de grupos corais, organistas e pianistas muitos bons para os cultos. No entanto, as melodias eram as produzidas na
América do Norte e as clássicas da
Reforma do século XVI, vindas da
Europa. Não se viam grupos vocais pequenos de qualidade. Alternavam-se grupos corais e quartetos, em geral, masculinos, que cantavam músicas tradicionais, na maioria hinos com algumas variações no arranjo. O grupo de oito pessoas escolhidas pelo maestro
Dick Torrans, missionário da
Organização Palavra da Vida, recém chegado dos
Estados Unidos, causou grande impacto, pois cantavam músicas próprias –
Jairinho compôs "
Nos montes eu vou, com Cristo eu estou, nos vales campinas, com meu Salvador..., etc." e outras - , na sua maioria, com melodias lindas e vozes muito boas. Este grupo apresentava-se nas praças, nos ginásios de esporte, em pequenas ou grandes igrejas, sempre com sorriso nos lábios e muita espiritualidade. Deste grupo maravilhoso,
Paulo César da Silva, o
Paulão, e
Jairo Trench Gonçalves, o
Jairinho, viriam a formar anos mais tarde o
Grupo Elo, juntamente com
Nilma, esposa de
Paulo, e
Nancy, esposa do maestro
Dick Torrans, que era quem provia o grupo de arranjos vocais e instrumentais, participando, inclusive da execução destas músicas ao piano.
Nos primeiros meses de 1975, já estudando no
Instituto Bíblico Palavra da Vida, hoje Seminário, conheci o
Jairinho. Vi-o apenas de longe, correndo de um lado para o outro na
Estância Palavra da Vida, preparando-se para seu casamento com a doce
Helia, que iria realizar-se dias depois na cidade de São Paulo, na
Igreja dos Irmãos Unidos. Foi uma bela cerimônia, embalada por lindas melodias escolhidas a dedo por ele, inclusive com uma das mais belas canções evangélicas para casamento composta pelo
Jairo:
"Deus de Amor fica conosco, agora e para sempre amém. Dá-nos a bênção de sermos para sempre fiéis a Ti...etc." Aliás, após esta ode ao matrimônio cristão, muitos outros compositores evangélicos o imitaram, fazendo músicas especiais para seus próprios casamentos.
Nossa amizade intensificou-se seis meses depois quando
Jairo tornou-se missionário da
Palavra da Vida. Sua intenção era prover a Palavra da Vida de mais música, abrir espaços, ter novos horizontes. E eu queria fazer parte deste projeto, mesmo tendo que despender grande parte do meu tempo nos estudos teológicos.
Jairo era uma pessoa sensível, de grande musicalidade, capaz de formular idéias, compor poesias simples, sem ser comum, ingênua ou mesmo fútil.
Passava horas com seu violão, ou mesmo diante do piano, cantarolando até que a melodia viesse.
Jairo também era um perfeccionista. Utilizou todos os recursos que possuía, para munir-se de instrumentos musicais e outros equipamentos para produzir música de qualidade.
No início, muito tímido, não quis ferir susceptibilidades, principalmente do presidente da Organização Palavra da Vida,
Haroldo Reimer, de notória inflexão quanto a certos aspectos puramente acessórios na música, segundo a minha opinião, como a utilização da bateria.
Haroldo era ferrenho adversário da postura musical dos
Vencedores Por Cristo, que naquela época introduziram vários instrumentos ainda não bem aceitos pela comunidade evangélica brasileira.
Jairo tomou seus cuidados. E, o primeiro disco lançado por ele,
Calmo, Sereno e Tranqüilo, cujo título é o mesmo da música que
compus, tinha apenas violão - um
Ovation - novidade na época, pelo menos para mim, e, quando muito, um contrabaixo. Ouvimos juntos, dentro de seu automóvel, a gravação ainda sem mixagem. Mostrou-a ao Paulo também, pois queria saber nossa opinião a respeito dos arranjos, das letras, enfim sobre toda a produção, para que nada viesse a comprometer seu primeiro projeto com o selo
Palavra da Vida, e que dependia da aprovação do
Haroldo Reimer.
Haroldo enfim aprovou, e aquele primeiro disco teve boa repercussão no meio evangélico. Escolhemos a capa. Inicialmente, pensamos num barco no meio do oceano em maré calma, flutuando sob um lindo sol. Depois, com mais calma, achamos que deveríamos inovar. Fazer algo que chamasse a atenção. O pergaminho como moldura e a figura de um velho carregando seus feixes contrastava com o título, dando o impacto que queríamos. Deu certo. Era um disco de arranjos simples, letras simples, escrito sobre um pergaminho, incentivando a meditação.
Depois disto,
Jairinho investiu tudo num pequeno grupo de vozes para ajudar o
Haroldo em suas viagens evangelísticas. Estivemos juntos por oito meses, dos quais, cantava conosco e pregava nas igrejas por onde íamos. Ao final do ano de 1975 desmembramo-nos, e
Jairo, queria mais liberdade para compor e acompanhar a evolução musical da época e desta forma, para fazer isto, viu que seu espaço era muito restrito na
Organização. Juntamente com o maestro
Dick Torrans e
Paulo César da Silva formaram o
Elo. A partir daí vi o
Jairo sorrir. Estava livre para sonhar. Foi para São Paulo, montou todo um aparato para gravação e impressão, que funcionava no mesmo prédio do
Mapa Fiscal Editora, de propriedade de seu pai. Convidou-me para ajudá-lo, mas Deus direcionou minha vida para a cidade de
Brasília e, daí nos vimos apenas mais umas três vezes.
Ali, em Atibaia, depois em São Paulo,
Jairo gravou vários discos. O primeiro foi
Nova Jerusalém. Um deles, inclusive, com mixagem nos Estados Unidos. Saiu em campanhas evangelísticas, tendo seu pai por pregador. Participou do mega evento
Geração-79 como monitor e conferencista. Estava à pleno vapor, quando em 1981 veio a falecer em um desastre de automóvel na estrada vicinal que dá acesso à Estância Palavra da Vida, em Atibaia. Morreu jovem. Ele sua esposa
Helia e seu filho mais novo, ainda bebê,
André.
Deixou-nos grandes saudades, pois sua alegria, seu bom humor, sua espiritualidade, foram plenamente refletidas nas melodias e letras que nos legou. A música
"Um Dia" demonstra, como poucas, a maneira simples e harmoniosa de
Jairo em narrar as coisas espirituais de forma profunda, porém acessível. Foi seu testemunho de fé gravado para sempre. Outras, marcaram circunstâncias em que Deus lhe falou muito de perto, como seu próprio casamento, cuja melodia acima já mencionei, e o ambiente dos acampamentos da Palavra da Vida, registrado na melodia
"Nos montes eu vou, com Cristo eu estou, nos vales, campinas, com meu Salvador...".
Jairo teve opositores. Foram poucos. Pessoas que reconheciam seu talento, contudo, acusavam-no de viver um ministério inautêntico, pois muito de seu sustento vinha de contribuições de seu pai. Mas tinha ele alguma culpa por ser filho de uma pessoa de posses e que investia no seu ministério? Aliás, é bom que se diga,
Dr. Jairo Gonçalves, mesmo sendo um homem aquinhoado, sempre consagrou o que possuía a Deus. Quantas e quantas vezes o
Dr. Jairo saiu pelo interior de São Paulo, com sua
Veraneio do ano, repleto de bíblias e folhetos para disseminar o evangelho da graça de Deus. Quantas vezes saía de São Paulo, afastando-se de sua concorrida agenda de negócios e como Juiz do Trabalho para dar aulas no
Instituto Bíblico Palavra da Vida, hoje Seminário.
Os domingos de pai e filho, enquanto
Grupo Elo, foram dedicados à disseminação do evangelho, pois agora saíam juntos. O filho cantava, e o pai pregava. O
Jairinho tinha dinheiro sim, mas fez deste um instrumento para servir a Deus. Poderia ter jogado tudo para o alto e viver tranqüilamente em qualquer lugar do planeta. Mas julgou ser mais importante fazer resplandecer o dom que Deus havia lhe dado: o de
Levita.
Suas músicas são melodiosas, e as letras refletem a fé de quem amou profundamente a Deus. Procurou incansavelmente o aperfeiçoamento do seu ministério, gravando no exterior, formando um grupo coeso na espiritualidade e na musicalidade. Até hoje, jovens músicos que conheço manifestam sua admiração pela obra deste criativo servo levita de Deus.
Deixou-nos prematuramente. O Senhor sabe o porque.
Dr. Jairo e sua esposa criam até hoje os outros dois filhos de
Jairinho. O mais velho, também chama-se
Jairo, e uma menina,
Melissa. Ao meu filho mais velho dei o nome de
André Estevão, cujo primeiro prenome é uma homenagem ao
Andrezinho, filho mais novo de
Jairo e
Hélia, que faleceu no acidente automobilístico que os vitimou.
Por: Ivan Cláudio Pereira Borges
In: www.vpc.com.br